Em Minas, casca de café vira carvão, nutriente e dinheiro

Startups
José Florentino
De Lajinha (MG)

A colheita do café na fazenda Amado Fonseca., localizada no município mineiro de Lajinha, a 350 quilômetros de Belo Horizonte, começará em menos de um mês.
Cerca de 40 trabalhadores subirão pelo terreno íngreme para retirar manualmente os grãos produzidos em 70 hectares. O trabalho deve se estender por três meses.
O produtor rural Roger Alves da Fonseca está animado com a nova safra. Após três gerações, a . família verá a casca do café retornar à lavoura como um carvão vegetal capaz de aumentar a produtividade em até 33% quando associado aos fertilizantes. A novidade é fruto de uma parceria da startup francesa NetZero com produtores da região.
A empresa investiu aproximadamente R$ 20 milhões em uma fábrica em Lajinha, inaugurada nesta quinta-feira, para receber 16 mil toneladas de casca de 360 produtores associados da Cooca-fé. A matéria-prima será submetida a um complexo processo industrial e decomposta até sobrar apenas o carvão vegetal. O gás gerado pela queima retornará ao sistema e alimentará o fogo, em um modelo circular e sustentável.
O biochar funciona como mini esponjas capazes de reter água e nutrientes no solo, além de gerar um ambiente favorável às bactérias responsáveis por transportar os nutrientes para a planta. A empresa aposta também que o produto reduzirá o uso de químicos nas lavouras e, consequentemente, a pegada de carbono do café.
Estima-se que o uso de fertilizantes é a causa de mais de dois terços das emissões de CO2 associadas à produção de café. Segundo a empresa, é possível reduzir em 33% a aplicação dos adubos e, ainda assim, aumentar em 14% a produtividade média. Esse movimento conjunto diminuiria em 40% as emissões por quilo do grão.
“A gente ouve muito falar em reduzir emissões, mas existe um limite de quanto vamos conseguir. Então, precisaremos de tecnologias que sequestram carbono”, afirmou Pedro Figueiredo, cofundador e diretor técnico da NetZero, enquanto apresentava a fábrica a um grupo de jornalistas.
A unidade tem nove mil metros quadrados, entre galpões para armazenar a casca de produtores que não têm estrutura para estocar e o maquinário responsável pela queima.
De acordo com os executivos, o biochar só não é mais utilizado hoje devido ao custo de produção. No entanto, depois de muita pesquisa e de um experimento em Camarões, na África, a empresa conseguiu desenvolver um modelo de produção que reduz de 5 a 10 vezes o preço ao produtor em relação à Europa, tornando a tecnologia mais acessível.
Olivier Renaud explicou que a redução no custo final é possível graças à comercialização de cré. ditos de carbono atrelados ao biochar. “Esses créditos são metade da nossa receita. Vendemos diretamente a empresas interes-sadas, que hoje são o Rothschild [banco de investimento] e a BCG [consultoria empresarial]”, disse.
Figueiredo, que é mineiro, foi responsável por encontrar um local propício para uma fábrica no Brasil. Depois de muitas conversas, ele chegou a um acordo com a Coocafé, cooperativa das Matas de Minas, segunda maior região produtora do Estado.
Pedro Araújo, diretor de produção e comercialização da cooperativa, disse que o conselho da cooperativa vê muito potencial no projeto, por isso emprestou a área para construção por 15 anos. Além disso, a Coocafé tem mais de 10 mil associados e a NetZero selecionou apenas 360 agricultores, que estão dentro de um raio de 25 quilômetros da indústria de biochar.
“O produtor às vezes é meio Tomé. Quando ver o outro tendo retorno, ele logo vai querer também”, disse. “Nós como cooperativa estamos aqui para possibilitar que todos tenham acesso, dos menores aos maiores, com as mesmas condições”, reforçou Araújo.

O intuito da NetZero, pelo menos por enquanto, não é vender o carvão vegetal em um mercado aberto. Os fornecedores receberão gratuitamente metade do insumo fabricado a partir de seus resíduos. A outra parte será adquirida por eles a R$3 por quilo.
“É o menor valor possível, apenas para manter o projeto crescendo”, disse Figueiredo. Ele explicou que as próximas fábrica – uma prevista para ser inaugurada em 2023 e mais três no ano que vem – devem retornar um volume maior para os agricultores de maneira gratuita.
Uma fazenda levará de cinco a dez anos para produzir o insumo necessário para cobrir toda a sua área. Depois disso, o produto poderá ser utilizado para outros fins, já que uma aplicação dura mais de um século, de acordo com alguns estudos.
Na fazenda da família Fonseca, os trabalhadores ainda terão de, após a colher, retornar às lavouras para distribuir a casca do café, mas agora como biochar. Nas fábricas da NetZero, a expectativa é atingir a capacidade de sequestrar 2 milhões de toneladas de carbono por ano até 2030.


jornalista viajou a convite da NetZero

Fonte: https://valor.globo.com/agronegocios/noticia/2023/04/20/em-minas-casca-de-cafe-vira-carvao-nutriente-e-dinheiro.ghtml